O acesso feminino à educação formal esteve historicamente em disparidade com o masculino. A educação básica de meninas era inicialmente restrita à habilidades domésticas e leituras religiosas e as universidade passaram a aceitar mulheres em seu corpo discente a partir de meados do século XIX[1] . Tal disparidade era motivada principalmente pelos papéis sociais atribuídos aos gêneros, entre outras desigualdades culturais.
Atualmente no Brasil, as mulheres compreendem mais da metade de corpo discente de universidades[2] . Por outro lado, é bastante notável que a presença das mulheres nas chamadas “ciências duras” não é expressiva. No geral, elas representam apenas 35% de todos os estudantes em áreas relacionadas à Ciência, Tecnologia, Engenharias e Matemática [3] . Na Física, por exemplo, a média mundial é 20-25% de mulheres do total de ingressantes no curso de graduação[4] . Ao mesmo tempo, as mulheres enfrentam ainda mais dificuldades relacionadas à discriminação de gênero para ascender na carreira, algo conhecido como “teto de vidro” ou “labirinto de cristal” [5][6][7]
Alguns podem argumentar que as mulheres têm “menos talento” para as ciências exatas do que os homens. Essa hipótese propõe duas premissas: de que o talento pode ser mensurado por testes padrões e que é algo fixo e inato. Estudos americanos fizeram um levantamento da presença e permanência de mulheres e homens que tiveram notas acima da média nos exames finais da educação básica, os SATs, nas universidades[8] . Tomando o campo da matemática como exemplo, aproximadamente 10% das mulheres e dos homens que ingressaram na universidade, e que pertencia a esse grupo de alunos com alta pontuação, conseguiram o diploma de bacharelado. Contudo, a diferença de 2,3 homens para cada mulher com diploma cresce drasticamente para 9:1 quando se trata do nível PhD. Mulheres “talentosas” não são absorvidas pela academia na mesma taxa que os homens, conclui o estudo.
Consoante, o cenário da pós-graduação não é convidativo para as mulheres no mundo todo. O Conselho de Pesquisa Médica da Suécia, liberou um relatório em 1997 que constatou que uma pesquisadora deveria ser em média 2,2 vezes mais produtiva do que um pesquisador, a fim de receber o mesmo suporte financeiro[9] . No Brasil, dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) revelam uma possível discriminação no sistema de concessão de bolsas, já que, de acordo com o conselho, em 2002 a proporção entre pesquisadores e pesquisadoras cadastrados era de 10:8, contudo, ao analisar a concessão de bolsas produtividade essa proporção cai para 10:5[10] . Além disso, mulheres necessitam de quase o dobro de trabalhos publicados para ingressar no sistema de bolsas para pesquisadores do CNPq e para ascender em outros níveis[11] .
Um dos maiores problemas que as mulheres enfrentam para dar continuidade a sua pesquisa é manutenção da produtividade durante a maternidade. Estudos[12] mostraram que a idade de ascensão profissional na carreira científica coincide com a idade considerada “limite” para que as mulheres tenham filhos. Com isso, muitas se veem obrigadas a fazer uma escolha entre carreira e vida pessoal. É importante ressaltar que parte do problema reside no modelo de dedicação exclusiva à pesquisa, dito “masculino”. A tradicional divisão sexual do trabalho doméstico ainda é um obstáculo a ser superado que afeta diretamente a mulher que se insere no mercado de trabalho, dentro ou fora dos meios acadêmicos. Com isso, temos que a mulher-mãe-pesquisadora enfrenta jornadas extensas de trabalho, diferentemente dos homens, que dificilmente enfrentam o dilema carreira-família nestas situações.
Por todos esses aspectos, nota-se que a igualdade ainda é uma realidade distante. A inserção tardia nas mais diversas áreas e a discriminação simplesmente por ser mulher, possui forte influência na escolha para posse de um cargo. Os desafios para as mulheres não parecem ter mudado, só foram acrescentados novos. Se antes sua preocupação era com casa e filhos, hoje ela tampouco deixa de ser associada a isso. No ritmo atual, seriam necessários 257 anos para que os salários e representatividade sejam iguais no mundo do trabalho[13] . A suposta neutralidade da ciência em relação às questões de gênero coloca esses temas como excludentes. Portanto, a inserção de discussões desse tipo no meio acadêmico são necessárias para motivar mudanças no sistema atual e essa pauta não deve deixar de ocupar as mídias e os debates, para que a mudança ocorra em passos mais largos do que vemos hoje.
Fontes:
[1]CORDEIRO, M. D. Mulheres na Física: um pouco de história.Caderno Brasileiro de Ensino de Física v.34, n. 3 (2017) Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/viewFile/2175-7941.2017v34n3p669 /35427 acessado em maio de 2020. Doi: https://doi.org/10.5007/2175-7941.2017v34n3p669
[2]ANDIFES Mulheres são maioria na educação profissional e nos cursos de graduação. Disponível em: http://www.andifes.org.br/mulheres-sao-maioria-na-educacao-profissional-e-nos-curs os-de-graduacao/ acessado em maio de 2020.
[3]UNESCO. Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciência, tecnologia engenharia e matemática (STEM). 2018. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/in/documentViewer.xhtml?v=2.1.196&id=p::usmarcdef_0 000264691&file=/in/rest/annotationSVC/DownloadWatermarkedAttachment/attach_i mport_9e2a1968-00d1-4e7e-adc7-ea5883ee5ef2%3F_%3D264691por.pdf&locale=e n&multi=true&ark=/ark:/48223/pf0000264691/PDF/264691por.pdf#%5B%7B%22nu m%22%3A62%2C%22gen%22%3A0%7D%2C%7B%22name%22%3A%22XYZ%22 %7D%2Cnull%2Cnull%2C0%5D acessado em maio de 2020.
[4] SOUZA, Renan da Silva. MULHERES NA FÍSICA: UM ESTUDO SOBRE A CULTURA DE GÊNERO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
[5]LIMA, Betina Stefanello. O labirinto de cristal: as trajetórias das cientistas na Física. Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 21, n. 3, p. 883-903, dic. 2013. Disponible en .acessado em 1 de maio de 2020. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000300007
[6] https://www.bbc.com/portuguese/geral-49639664
[7] ABRAHÃO, M. Mais mulheres na ciência: um desafio de todos nós. Disponível em: http://www.andifes.org.br/mais-mulheres-na-ciencia-um-desafio-de-todos-nos/ acessado em maio de 2020.
[8] VALLIAN, Virginia. Women at the top in science and elsewhere
[9] SOARES, Thereza Amélia. MULHERES EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA: ASCENSÃO LIMITADA. Quimica Nova: Assuntos gerais, Recife – PE, v. 24, n. 2, p. 281-285, 2001
[10] LETA, Jacqueline. AS MULHERES NA CIÊNCIA BRASILEIRA: CRESCIMENTO, CONTRASTES E UM PERFIL DE SUCESSO. Estudos avançados, [s. l.], v. 17, n. 49, p. 271-284, 2003.
[11]COTTA, M. A., CALDAS, M. J., BARBOSA, M. C.Climbing the Academy Ladder in Brazil: Physics AIP Conf. Proc. 1119, 87 (2009); Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/~barbosa/Publications/Gender/iupap-2008.pdf acessado em maio de 2020. doi: 10.1063/1.3137921
[12] STANISCUASKI, Fernanda. Um estudo detalhado sobre o impacto da maternidade na carreira científica das mulheres brasileiras. In: PARENT IN SCIENCE, 2018.
[13]http://www3.weforum.org/docs/WEF_Global_Gender_Gap_Report_2020_Pr ess_Release_Portuguese.pdf
Ass: Julia Pinheiro, Caio Zuanetti, Catarine Moreira, Gustavo Siqueira