Física em alto mar

No final do ano passado no Egito, foi descoberta uma construção faraônica, mais precisamente a tumba do faraó Senuseret III, datada de 3800 anos atrás. Até aí nada de muito impressionante, visto que descobertas arqueológicas em regiões povoadas há tantos séculos são relativamente comuns. No entanto o que impressionou os cientistas não foi a construção em si, nem sua data, mas sim um mural com 120 ilustrações de barcos egípcios e  resquícios de um antigo barco. Essas descobertas no mínimo intrigantes nos trazem uma dúvida: como esses egípcios em 2040 A.C.  navegavam sem auxílio de gps, radares e etc.

Sabemos que além dos egípcios muitas outras civilizações enfrentaram os desafios das aventuras em alto mar, como os Vikings, os Fenícios e os Chineses. Para a maioria de nós, talvez, seja difícil entender quais foram os desafios que esses povos enfrentaram nas suas primeiras incursões aos mares, e o quanto suas descobertas e invenções possibilitaram avanços futuros e contribuíram para o desenvolvimento da navegação e o intercâmbio cultural no decorrer da história. Atualmente, com o avanço na compreensão de fenômenos da natureza podemos compreender os princípios físicos por trás desses utensílios de forma diferente dos povos antigos, sem recorrermos a construções mitológicas e  poderes divinos, aproximando de nossa realidade algo que no decorrer da história da humanidade foi sempre motivo de curiosidade: os objetos “mágicos” que nos possibilitam navegar.

Dos instrumentos de navegação, a bússola é provavelmente o mais conhecido por todos, mas algo que talvez nem todas as pessoas saibam é que existem duas versões de bússola, a magnética e a solar. A bússola magnética teve sua origem na China por volta de 850 d.C. Era composta por uma pequena caixa (cápsula) onde uma peça metálica magnetizada (agulha) era suspensa para poder girar livremente

A agulha, por sua vez, se alinha na direção norte-sul em virtude do campo

magnético da Terra. Já a bússola solar, criada pelos Vikings, consistia em uma placa redonda de madeira com um pino no centro e com 32 marcações ao longo da circunferência que correspondiam ao pontos cardeais. Seu funcionamento é o seguinte: um dia antes da navegação a pessoa se dirigia para um lugar aberto, a bússola era posicionada em uma superfície horizontal, e de tempos em tempos marcações no objeto eram feitas no local onde a sombra do pino central terminava. Ao final do dia juntando esse pontos o navegador tinham uma curva que poderia assumir três formas distintas, dependendo da época do ano:

Como o sol nasce na direção Leste e se põe na direção Oeste, a linha que passa pelo centro de qualquer uma dessas curvas, determina a direção Norte-Sul. A partir disso, a bússola está calibrada. Para a realização da leitura, coloca-se a bússola sobre um recipiente com água, girando-a até que a sombra do pino coincida com a curva feita no dia anterior (por mais que se gire a tábua só há uma posição na qual a ponta da sombra do pino coincidirá com a curva e essa posição é praticamente a mesma do dia anterior). Com a ponta da sombra sobre a curva, as marcações ficam alinhadas com os pontos cardeais e podemos fazer a leitura.

Outra fabulosa tecnologia relatada nas grandes sagas viking é a pedra do sol, um cristal de calcita transparente conhecido também como espato da Islândia. Este cristal tem a propriedade de polarizar a luz solar, o que significa que conforme mudamos sua posição, a pedra filtra a luz de diferente formas, produzindo dois feixes diferentes, um “comum” e o outro “polarizado”. Isso permite que encontremos o azimute do sol.

Para encontrarmos o azimute do sol usando este cristal basta seguir os seguintes passos:

1ª- Faça uma marcação em um dos lados da pedra do sol

2ª- Aponte a pedra para o céu, com o lado da marcação virado para o céu.

3ª- Observe que quando exposta a luz, a marcação na pedra estará duplicada e a intensidade da duplicata mudará conforme movemos a pedra (este é o efeito da polarização da espato da islândia).

4ª-  Agora devemos mover a pedra ao longo da linha do horizonte até que as duas imagens da marcação vista na pedra possuam a mesma intensidade.

Neste momento a pedra estará alinhada com o azimute do sol.  A utilização da pedra do sol pode ser vista na prática neste vídeo português.

Mas você deve estar se perguntando agora “para que usar esta pedra para achar o sol, se eu posso simplesmente olhar para o céu e ver onde ele está?”. É preciso termos em mente que o céu, da região onde aconteciam as navegações, estava comumente encoberto, o que impossibilitava achar a localização do sol a olho nú.

Além disso há ainda um outro grande fator que eleva ainda mais a importância dessa tecnologia. As navegações vikings aconteciam durante o dia polar, época em que céu está constantemente claro, mesmo com o sol abaixo do horizonte. Como o céu está constantemente claro é impossível avistar constelações para se orientar em alto mar, como faziam os portugueses. Os Vicking só possuíam a nossa grande estrela para se orientar em alto mar, e a pedra do sol permitia que eles “vissem” ela a  qualquer momento, até mesmo quando ela estava  abaixo do horizonte.

 Diferente das bússolas e da pedra do Sol, temos uma tecnologia que se perde no tempo, fazendo com que seja difícil precisar a data de sua descoberta,  o objeto que será a vocês apresentado é o leme.. Elemento indispensável  à navegação, está presentes nas primeiras embarcações dos Fenícios aos Egípcios, desde aproximadamente 3000 a.C. Os lemes têm função de manobra e não propulsora, possibilitando a alteração da direção do navio.

As velas possuem um sistema de propulsão acionado pelos ventos, de modo a impulsionar o barco conforme as movemos. Existem inúmeros tipos de velas, por exemplo as velas quadradas, velas ao terço ou a vela latina, que diferem em tamanho e possibilidades de movimentação, adaptadas a diferentes embarcações.

Os gregos também foram responsáveis por avanços indiretos nas técnicas de navegação, com os tratados de Hiparco, que possibilitaram a construção do astrolábio, utilizado para medir a altitude de um astro em relação ao horizonte (entre outras utilidades, como medir profundidades de poços e alturas de construções). Estima-se que sua invenção ocorreu no século IV d.C., período do documento mais antigo relacionado ao instrumento, de Theon de Alexandria. Posteriormente transformado no Astrolábio Marítimo pelo português Abraão Zacuto, em Lisboa,  no século XV. O princípio de funcionamento é bastante simples e está ilustrado na imagem que segue: o arco de circunferência entre o zênite (um ponto no céu exatamente acima de onde se observa) e o horizonte é graduado (apresenta divisões iguais, marcadas na borda, o que possibilita a obtenção de razões entre os valores “z” e “a”), fornecendo a inclinação do astro  em relação ao horizonte. Sabendo a inclinação dos astros no ponto de partida, nos pólo norte e no equador, é possível saber o quanto ao norte ou quanto ao sul se estava do ponto de partida. 

O mesmo raciocínio se aplica nas direções leste e oeste, com a combinação dessas informações é possível se localizar com uma precisão nunca vista até então em todo o mundo. As civilizações antigas nos mostram como a criatividade aliada a necessidade de desbravar regiões desconhecidas foram possíveis em grande medida graças ao auxílio desses instrumentos. Sem esses instrumentos muitos barcos se perderiam e seus desbravadores deixariam em branco páginas da história fundamentais para o desenvolvimento da humanidade. Nos dias de hoje, vários desses instrumentos foram reformulados para ficarem mais precisos e/ou não dependerem tanto da leitura e calibração humanas, evidenciando a importância histórica desses instrumentos no desenvolvimento da navegação e posteriormente da aeronáutica.

Referencias

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http://www.ancruzeiros.pt/ancdrp/b%C3%BAssola-solar

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Tipos_de_velas_(n%C3%A1utica)

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http://www.infoescola.com/astronomia/astrolabio/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Abra%C3%A3o_Zacuto

http://www.museutec.org.br/previewmuseologico/o_astrolabio.htm

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