Super-heróis são os precursores do fascismo?

Ao longo dos anos, houve uma crescente procura por obras de super-heróis, especialmente filmes como os da Marvel, sucesso absoluto de bilheterias. Alan Moore, escritor e roteirista de vários quadrinhos como Watchmen e V de Vingança, alertou sobre essa procura: “Eu disse por volta de 2011 que achava que teria implicações sérias e preocupantes para o futuro, se milhões de adultos fizessem fila para ver os filmes do Batman. Porque esse tipo de infantilização – esse apelo a tempos mais simples, a realidades mais simples – pode muitas vezes ser um precursor do fascismo” (tradução feita pelos autores deste artigo), disse Moore para o jornal inglês The Guardian. Mas será que os super-heróis são realmente precursores do fascismo?

“Fascismo” é um termo que representa um movimento político, econômico e social, o qual alguns países adotaram após a Primeira Guerra Mundial, principalmente aqueles que estavam enfrentando graves crises econômicas, como a Alemanha, governada pelo Partido Nazista de Adolf Hitler, e a Itália, governada pelo Partido Republicano Fascista de Benito Mussolini (do qual se origina o termo). Ainda que não exista uma conceitualização universal para o termo, alguns aspectos básicos são frequentemente citados, como aqueles representados na definição do escritor e filósofo Umberto Eco (1932-2016). Para o filósofo, o fascismo teria como características: o culto à personalidade, ou seja, uma adoração muito forte em alguma pessoa; a visão binária entre o bem e o mal, preocupando-se muito mais com a destruição de inimigos do que com a resolução democrática de problemas; a pregação do uso da força como principal agente de mudança.

Em outras palavras, segundo Eco, o fascismo tem, em seu cerne, ações, pensamentos e argumentos moldados pela violência. No contexto da discussão sobre a violência na sociedade e sua representação nas histórias em quadrinhos de super-heróis, é relevante considerar também a influência do protofascismo. Este é caracterizado por uma ideologia autoritária, nacionalista e muitas vezes violenta, pode ser identificado em certas narrativas que exaltam a força sobre o diálogo, promovendo a exclusão de grupos contrários à ideologia e surge antes dos regimes fascistas do século XX.

Ao analisarmos a popularidade dessas histórias, é importante reconhecer como elementos protofascistas podem estar presentes, influenciando a forma como os conflitos são resolvidos e como os heróis são retratados. A exaltação da violência como meio primário de resolução de problemas e imposição de ideias podem, concomitantemente com a intolerância aos grupos minoritários, ser reflexo das ideologias protofascistas.

Em agravante, as histórias potencialmente fascistas são muito populares entre o público infantojuvenil, ou seja, o público em formação de caráter e personalidade. Apelar para este público fortifica a transmissão de valores e ideias e ajuda a normalizar ideias que antes seriam impensáveis. Apesar da causalidade entre a popularização dos quadrinhos e o crescimento da violência não ser tão evidente, é preciso cautela quanto ao possível surgimento de “supers” na nossa realidade social. Não é atoa que na mesma época que Os Vingadores estava fazendo milhões em bilheteria, os líderes de extrema-direita estavam em ascensão, empregando um nacionalismo exagerado. Era comum, por exemplo, usarem as bandeiras de seus países como suas próprias vestimentas (o que são claras referências ao Capitão América). Além disso, prometiam resolver todas as crises impondo seu modo de agir pouco democrático: incentivando o fechamento de instituições da República e órgãos governamentais. Deixando clara a mensagem de força e poder, elementos presentes no facismo.

O primeiro super-herói surgiu no final da década de 30, escrito por dois autores judeus, filhos de imigrantes que cresceram na cidade de Cleveland (Ohio, EUA), na revista Action Comics #1 (1938), chamado Superman, um alienígena que caiu na Terra quando bebê e que possui poderes que um humano comum não tem, como força e velocidade aumentadas, visão de raio laser e um sopro super potente. Logo na sua primeira história, pode-se notar alguns elementos um pouco problemáticos, como por exemplo, o personagem invadir a mansão de um governador para impedir que uma pessoa seja sentenciada à cadeira elétrica pelo crime que não cometeu. Nesse caso, percebemos uma ação que vai contra a lei, pelo uso da força, para poder defendê-la. Outro elemento é seu próprio conceito, que deriva de “Übermensch” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que seria o “além do homem” para designar um ser superior aos demais, um modelo ideal do homem. Nietzsche utiliza essa ideia no sentido de aprimoramento intelectual do homem, porém, o nazismo distorce essa ideia, buscando um homem branco muito mais forte, muito mais saudável e que combateria tudo que há de mau na sociedade, usando seus poderes de ser superior.

Em meio à diversidade de histórias nos quadrinhos, outra linha que pode ser destacada é aquela em que os próprios elementos protofascistas, ainda que presentes, são parte do próprio enredo. Exemplos como a saga Lanterna Verde e Arqueiro Verde (1970) da dupla Dennis O’Neil e Neal Adams mostram essa dualidade, já que o Lanterna Verde é um personagem mais ligado à direita, enquanto o Arqueiro Verde é mais ligado à esquerda. Ambos percebem os problemas das ruas dos EUA numa visão mais crítica, vendo que nem sempre é tudo preto no branco, trazendo temáticas como machismo, xenofobia e misoginia. Outro exemplo é X-Men: A Segunda Gênese (1975) por Len Wein e Dave Cockrum, que traz uma nova roupagem para a equipe de mutantes da Marvel com temas como preconceito, xenofobia, homofobia, racismo e intolerância motivada por questões religiosas.

O que essa segunda linha de pensamento nos mostra é a possibilidade que exista histórias críticas dentro do gênero, que não necessariamente implica em os super-heróis serem fascistas. Nesse exemplo, os super-heróis são como a capa do disco The Dark Side Of The Moon (1973) da banda inglesa Pink Floyd, que apesar do feixe de luz ser nítido, ele se mostra como várias cores após passar pelo prisma. Ou seja, embora os super-heróis sejam protofascistas em sua essência, eles se desmancham em coisas muito mais complexas quando os analisamos, o que é diferente de uma perspectiva acrítica, que mostra que o fascismo é um fator determinista, que mesmo que a história dos super-heróis tenham tais temáticas sociais, ainda assim são fascistas.

Resolver os problemas em um estalar de dedos é algo que muitas pessoas anseiam e vêm em seus heróis essas questões, o ponto crítico está em querer que os líderes sejam desse jeito também, estampando que eles são imponentes e fortes e a favor do povo, mas que na verdade, passam por cima dos poderes civis, privam a sociedade de liberdade e quem critica eles, são massacrados, agindo como o Capitão Pátria de The Boys (que usa a bandeira dos EUA como capa).

Referências

DURANT, Will – Os grandes filósofos – A Filosofia de Nietzsche – Editora Ediouro.

Watchmen author Alan Moore: ‘I’m definitely done with comics’

https://www.theguardian.com/books/2022/oct/07/watchmen-author-alan-moore-im-definitely-done-with-comics

COMICS, D. C. Action Comics 1. DC Comics Encyclopedia, p. 14, 1938.

PINO, Angel. Violência, educação e sociedade: um olhar sobre o Brasil contemporâneo. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 763-785, out. 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s0101-73302007000300007. 

Assinado por: Erik, Henrique e Pedro Henrique.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *