O TELESCÓPIO JAMES WEBB E O PREÇO DA CIÊNCIA

No dia 25 de Dezembro de 2021, no Centro Espacial de Kourou na Guiana Francesa, foi lançando ao espaço umas das maiores apostas dos cientistas para entender a origem do Universo: o Telescópio Espacial James Webb (JWST). Esse telescópio é uma cooperação entre a Agência Espacial Europeia (ESA), Agência Espacial Canadense (CSA) e a NASA, mas a missão, que durou mais de duas décadas, teve a contribuição de milhares de cientistas, engenheiros e muitos outros profissionais de mais de 14 países, com custos estimados de 10 bilhões de dólares.

 A sua missão espacial foi planejada para durar entre 5 a 10 anos, muito menos que seu antecessor, o Telescópio Hubble, que está no espaço há 22 anos. O Telescópio James Webb foi o maior objeto já lançado ao espaço, o que gerou um desafio de engenharia nunca visto antes em tecnologia de telescópios, pois seu comprimento pode ser comparado a uma quadra de tênis e cada um de seus 18 espelhos, organizados em um formato hexagonal, semelhante a um favo de mel, a um ser humano comum. Devido a isso, foi preciso enviá-lo ao espaço encolhido como um origami, para que quando chegasse ao seu local de destino, se desdobrasse e começasse sua missão.        

Como já dito, o Telescópio James Webb foi construído depois do Hubble,  e por isso pôde usufruir de muitos avanços tecnológicos tanto com relação à sua estrutura, como com relação à sua órbita. A física e a engenharia por trás desse novo telescópio trazem vantagens, como o menor gasto de combustível, e maior qualidade nas observações. O menor gasto de combustível é possível devido a aplicação do conceito físico “pontos de Lagrange” à órbita do James Webb. Em um sistema gravitacional, como o sistema Sol-Terra, existem pontos de equilíbrio onde qualquer corpo poderia ficar por muito tempo estabilizado sem “cair” para algum lugar. Esses pontos de Lagrange são calculáveis, e foi justamente isso que os cientistas envolvidos no projeto do JWST fizeram: calcularam os pontos para o sistema Sol-Terra onde o telescópio poderia ser colocado de tal modo que necessitasse de menos energia para manter-se posicionado. O ponto de Lagrange escolhido para o James Webb, fica a 15 milhões de km da Terra, uma distância aproximadamente 39 vezes maior que a distância entre a Lua e a Terra, e 25 mil vezes maior que a distância entre o Hubble e a Terra.
Além de sua posição estratégica, os avanços tecnológicos permitiram que a estrutura do Telescópio James Webb estivesse muito bem preparada para resistir às extremas temperaturas provocadas pela radiação solar (chegando até 125°C), graças a seu grande escudo térmico de 5 camadas. Por outro lado, existe o extremo frio do espaço (chegando até -235°C), e por isso a estrutura do telescópio é feita de berílio, um metal muito leve que sofre pouquíssima deformação conforme a temperatura varia. Além disso, os espelhos de berílio do telescópio são banhados em ouro, o que oferece a eles uma coloração dourada que chama muita atenção. Essa fina camada de ouro sobre os seus espelhos permite que o James Webb capte luz não-visível na faixa do infravermelho.

Quando diz-se que o James Webb irá revolucionar a física e a astronomia, refere-se justamente ao fato desse telescópio ser capaz de captar luz infravermelha. Isso é importante para a observação e o estudo das galáxias mais longínquas, cuja luz chega à Terra na forma de luz infravermelha. Na astronomia, quanto mais longe está o objeto, mais no passado ele está sendo observado, já que a luz desse objeto levou muitos e muitos anos para chegar até o observador. E como o James Webb é capaz de captar imagens dos objetos mais longíncuos, ele pode fornecer imagens e dados sobre o passado remoto do universo. É possível obter imagens de 13,5 bilhões de anos atrás, sendo que o universo tem aproximadamente 13,8 bilhões de anos. Fica evidente, assim, que inovações tecnológicas como todas as presentes no projeto do JWST, propiciam enormes possibilidades no desenvolvimento da ciência.A inovação tecnológica também tem um papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico e geração de riqueza de qualquer nação. No entanto, quando o assunto é investimento em pesquisa e produção científica, o Brasil não tem se destacado. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico é a principal fonte de financiamento da ciência no Brasil, e mesmo durante a pandemia, tem sofrido grandes ameaças. Por mais que os governantes usem discursos bonitos para falar do avanço tecnológico, existe uma dicotomia forte entre o que é dito e o que é feito. Um exemplo disso foi quando, em outubro de 2021, o presidente da república visitou a maior estrutura científica do país, o Sirius, e no mesmo mês o governo anunciou um corte de 600 milhões de reais na verba suplementar do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. É importante refletir sobre essa dissonância entre ação e discurso ao falar do investimento em ciência, uma vez que a maior parte desse investimento vem do setor público. Assim sendo, é importante ter isso em mente ao falarmos de projetos como o JWST, que também teve forte investimento público internacional. Vale lembrar que esse telescópio se trata de um projeto longo, complexo e custoso que, sem a cooperação internacional, jamais teria frutos. A cooperação científica é um fator que surge com força após a Segunda Guerra Mundial, no esforço técnico de reconstrução econômica e tecnológica gerado pelo pós guerra e pela corrida armamentista-espacial, e que permite a execução de projetos ambiciosos como o do Telescópio James Webb.


Como dito anteriormente, o JWST é fruto da colaboração entre a NASA, a ESA (Agência Espacial Europeia) e a CSA (Agência Espacial Canadense). Podemos destacar partes dessa colaboração quando falamos de todos os seus aspectos, desde seu design e seu funcionamento, até os equipamentos utilizados em seu lançamento. O JWST foi lançado ao espaço de uma plataforma de lançamento europeia localizada na Guiana Francesa, e o foguete que o alçou ao espaço também é de fabricação europeia. Para se orientar no espaço e evitar que possíveis vibrações atrapalhem na captura das imagens, o JWST usa um equipamento conhecido como FGS (Fine Guidance Sensor), que foi projetado pela CSA, e tem como principais características uma enorme precisão e uma alta taxa de atualização. A ESA também contribuiu com o Near-Infrared Spectrograph (NIRSpec), que é o aparelho responsável por medir objetos em diferentes resoluções do espectro próximo ao infravermelho, permitindo que o James Webb observe o passado remoto do universo. A NASA por sua vez, além de coordenar e supervisionar o funcionamento do projeto, desenvolveu, em parceria com outras empresas Norte Americanas, o sistema de espelhos leves feitos de berílio e ouro referidos anteriormente. Embora não tenhamos citado todas as partes do telescópio, fica evidente que sem a cooperação internacional e o investimento público bilionário em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, esse projeto não seria possivel.
Apesar disso tudo, o JWST é apenas um exemplo de cooperação internacional no âmbito científico, e não reflete a totalidade das relações de pesquisa do mundo. Na realidade poucos países tem porte técnico e econômico para engajar em projetos ambiciosos como esse. É importante lembrar que, nos países desenvolvidos, a maior parte do investimento em pesquisa científica vem dos cofres públicos, e que, para que haja cooperação entre nações no âmbito de pesquisa e desenvolvimento, é necessário que exista pessoal qualificado e infraestrutura adequada. Nos últimos anos o Brasil tem seguido na contramão do investimento público, diminuindo, a cada ano que passa, os investimentos do estado no ensino superior e na pesquisa universitária, enquanto em países como os Estados Unidos, 60% do recursos direcionados à pesquisa vem do investimento público.
No fim das contas, O James Webb é um exemplo, até então bem sucedido, das possibilidades que a cooperação internacional e o investimento em pesquisa e educação podem fazer pela ciência. Nos próximos anos, veremos os frutos desse investimento, na forma de descobertas científicas que podem vir a clarear ainda mais o passado desconhecido de nosso universo. O James Webb também é um lembrete de que, se quisermos continuar a buscar o conhecimento e a inovação tecnológica, precisamos garantir que o povo tenha condições de acessar e participar dessa busca, e o meio que tem se mostrado mais eficiente no mundo, é através do investimento público na educação e na pesquisa científica.

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