Em 28 de fevereiro de 2021 foi lançado o Amazônia-1, primeiro satélite de tecnologia 100% brasileira, como parte da missão PSLV-C51 da agência espacial indiana Indian Space Research Organisation (ISRO). Projetado, desenvolvido, testado e operado pelo Brasil, apenas o lançamento ficou fora do território nacional. Embora o país conte com dois centros de lançamentos, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), o satélite foi enviado à Índia, com o custo de cerca de US$ 26 milhões, para que fosse colocado em órbita.
O Amazônia-1 não é o primeiro satélite a orbitar a Terra em favor dos interesses brasileiros: outros dois já realizaram funções similares, o CBERS-4 e CBERS-4A. Entretanto, com o novo satélite, a coleta de dados pode ser feita de forma mais eficiente, tornando o monitoramento mais rápido e preciso. Por ser construído com tecnologia brasileira, ele pode servir como base para o desenvolvimento de outros satélites e gerar interesses econômicos na tecnologia nacional.
Além da fiscalização da Amazônia, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os dados gerados serão úteis para acompanhar regiões costeiras, reservatórios de água, florestas naturais e cultivadas, desastres ambientais, áreas de agricultura, entre outros. Há, de fato, uma alta coleta de dados e precisão no monitoramento; mas o que será feito com essa grande quantidade de informação? Existe uma carência de políticas públicas para a preservação de áreas naturais, já que, em relação a 2019, foram aplicadas 20% menos multas pelo IBAMA em 2020. Essa queda mostra a ineficiência do governo atual na preservação do meio ambiente: a aplicação de multas cai enquanto o desmatamento aumenta.
A questão da Amazônia possui um aspecto atípico: o desalinhamento do governo em relação ao desmatamento da floresta tropical. Enquanto Jair Bolsonaro descrê dos dados divulgados pelo Inpe, o vice-presidente Hamilton Mourão age em contraposição ao presidente, ao apresentar proposta de desenvolvimento sustentável para a floresta e destacar a recriação do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL). Por mais que Mourão aparenta ser um dos únicos do alto escalão governamental interessado em preservar a Amazônia, seu discurso de um desenvolvimento sustentável baseado no investimento de empresas privadas vai de encontro à ideia de uma economia sustentável em sua essência. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, provocou insatisfação no vice-presidente por se ausentar de uma reunião do CNAL e por não enviar um representante para substituí-lo. Atualmente, em maio de 2021, o ministro coleciona polêmicas durante seu mandato sendo alvo de investigação da Polícia Federal ao ser acusado de integrar um esquema criminoso responsável pela maior apreensão de madeiras ilegais na história.
Em julho do ano passado, os atritos entre o governo e o Inpe se intensificaram. Após a divulgação dos dados de desmatamento da Amazônia, indicando uma alta de mais de 80% de destruição da mata, Bolsonaro acusou o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, de fraudar as informações e de agir a serviço de alguma ONG. Ainda que um envolvimento com ONGs não represente deméritos, podendo até mesmo ser positivo, Galvão respondeu às acusações negando essa ligação, fazendo fortes críticas ao governo e destacando a falta de qualificação do presidente para analisar os dados. Em resposta à polêmica, o diretor sofreu pressões para deixar o cargo e, em agosto do mesmo ano, foi exonerado do Inpe. A sua saída lhe proporcionou uma premiação internacional por liberdade e responsabilidade científica pela sua atuação contra o desmatamento, além de ser incluído na lista de 10 pesquisadores de maior destaque na revista Nature.
Tendo o desmatamento triplicado em março deste ano em relação a fevereiro, batendo recorde se comparado ao mesmo período em anos anteriores, o que está impedindo o governo de tomar medidas efetivas para acabar com o desmatamento? Existe um grande interesse econômico no território da Amazônia e consequentemente na ocupação de territórios indígenas, visto que em abril de 2020 foi aprovada uma medida que permitirá que qualquer terra ocupada por comunidades indígenas e que não tenham sido homologadas sejam consideradas imóveis privados, como aponta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), evidenciando o genocidio, mesmo que lento, da cultura brasileira.
Apesar da celebração do lançamento do satélite de tecnologia 100% brasileira, o governo atual impôs grandes dificuldades para a finalização do projeto ao não repassar verbas suficientes para a manutenção dos cargos na instituição. Em fevereiro, o INPE suspendeu a bolsa de 107 pesquisadores devido à falta de verba. Entre os afetados estão os profissionais que atuam no lançamento de satélites, como o Amazônia 1, previsão do tempo e até monitoramento de desastres naturais. Com isso, a Agência Brasileira Espacial (AEB) teve de intervir e bancar o pagamento de algumas das bolsas para que o projeto do satélite pudesse ser finalizado. Isso nos mostra o quão frágil pode ser a profissão de pesquisador no Brasil. Por mais que seja um projeto com contratos internacionais e avanços diretos na ciência brasileira, o governo não hesitou em cortar investimentos.Um projeto como o Amazônia-1 deveria ser um exemplo de como o país tem grande potencial para desenvolvimento científico e tecnológico, e fomentar financiamento para pesquisas e proteção do meio ambiente. Contudo, o que observamos na realidade está longe desse ideal. Apesar de a ciência nacional ter, de fato, enorme potencial, o governo não demonstra interesse em estimular esses setores, colaborando para o desmonte das instituições de pesquisa e desenvolvimento nacionais, com os cortes de verbas e de salários dos pesquisadores, incentivando o desmatamento da Amazônia e ocupação de terras indígenas.
Referências
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- https://olhardigital.com.br/2021/03/03/ciencia-e-espaco/amazonia-1-fora-de-controle/
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- https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/03/01/a-importancia-do-primeiro-satelite-100percent-brasileiro-o-amazonia-1.ghtml
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- https://www.cartacapital.com.br/politica/o-agronegocio-nao-aceita-perder-espaco-para-os-indios/
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- https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/04/27/funai-edita-medida-que-permite-ocupacao-e-venda-de-terras-indigenas-sem-homologacao.ghtm
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Ass: Gabriel, Mariana e Julia