A divulgação científica (DC), também conhecida como popularização da ciência, é um veículo que busca levar o conhecimento científico para um determinado público não especializado no conteúdo apresentado. Vemos a ciência, desde o seu surgimento na Grécia Antiga, como algo que se basearia em compreender verdades ou leis naturais para explicar o funcionamento das coisas e do universo em geral. No entanto, apesar de apresentar essa imagem de “descobridora de verdades”, a ciência é realizada pela sociedade, estando sujeita a fatores políticos, sociais e culturais. Dessa forma, podemos afirmar que a mesma tem uma relevância na história e no desenvolvimento do mundo que conhecemos hoje, influenciando a forma como vivemos.
A partir desse panorama, cabe discutirmos o papel da DC na construção de imagens que os indivíduos têm sobre ciência e seu funcionamento, ou seja, de que forma o discurso presente na DC em diferentes mídias molda a concepção de ciência da sociedade e como isso impacta o próprio desenvolvimento científico.
O discurso é definido como o conjunto de pensamentos e visões de mundo que dão legitimidade a quem os expressa. Na divulgação científica, o discurso é construído a partir de três outros: o científico, o jornalístico e o cotidiano. No entanto, ele se diferencia dos três porque é elaborado para ser acessível a um receptor que não pertence nem ao âmbito dos cientistas nem dos jornalistas [1]. Isso faz com que o divulgador se coloque entre o conhecimento científico e os sujeitos não especializados, reelaborando as informações, contextualizando-as e criando metáforas. Assim, a elaboração do discurso divulgativo dependerá da intenção de quem o concebe, dos possíveis interesses mercadológicos e do público alvo [2].
Como exemplo, certas vezes a DC pode ter um papel de vitrine, apresentando as “maravilhas das descobertas científicas” e expressando o caráter utilitarista da ciência [3]. Isso privilegia, principalmente, as áreas da saúde e da tecnologia que, por sua vez, têm maior destaque na sociedade capitalista e estão fortemente ligadas ao mercado. Em outros momentos, dá-se a impressão que os conhecimentos construídos pelas ciências são acumulativos, sistematizáveis e atemporais [4], ou seja, são verdades absolutas e nunca entram em contradição entre si.
Além disso, é importante também notarmos que, mesmo involuntariamente, a DC pode reforçar papéis de gênero e discriminações de raça e classe presentes no próprio fazer científico. Isso acaba por corroborar com uma visão de ciência hegemônica e neutra, que não é afetada pelas desigualdades na sociedade e isenta de qualquer compromisso de combater as mesmas.
Os aspectos de certos discursos de divulgação científica citados até aqui podem, muitas vezes, dificultar o processo da DC e alguns deles podem ser exemplificados na atual pandemia de COVID-19. Primeiramente, a crença em uma ciência utilitarista e redentora entra em contradição com o tempo próprio da construção do conhecimento científico, já que os estudos sobre o vírus e vacinas são processos longos e que devem ser conduzidos com muito cuidado. Ao descrever o desenvolvimento da vacina como algo miraculoso, diferente do real processo cuidadoso e extensivo, cria-se o sentimento de imediatismo ou mesmo desconfiança acerca dos imunizantes.
Além disso, a maneira com que as pesquisas que questionam consensos científicos são divulgadas dão a impressão que diferentes opiniões são válidas. Isso acaba por suprimir aspectos fundamentais da ciência, como a revisão por pares e concordância da comunidade científica, e, assim, promove o negacionismo da ciência e o descrédito sobre os cientistas [5] [6]. Tais aspectos também são reforçados por faltas de investimentos e instigados pelo governo brasileiro atual (2021) em discursos que colocam em dúvida a integridade de cientistas e seus trabalhos. Torna-se o fazer científico mais complicado, podendo haver certas tensões entre a população e os cientistas, principalmente das áreas de humanas e de saúde nesse momento de pandemia.
Cabe, então, refletirmos o que pode ser feito, tanto do lado da produção da divulgação científica quanto da recepção pelo público em geral. Além do investimento na educação e divulgação, algo mais imediato poderia ser feito para aproximar a população dos trabalhos dos cientistas. No caso dos professores, um caminho seria utilizar textos científicos em sala de aula para uma leitura crítica, além de trazer pesquisadores para que possam explicar seus trabalhos. Porém, as soluções se dão no âmbito macro e sabemos que para conseguir mudanças significativas e rápidas seria necessário bastante investimento, o que no Brasil nos últimos anos tem ficado para último plano.
Referencias:
- ESTUDO DA LINGUAGEM DE TEXTOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA – Disponível em: http://www.abrapecnet.org.br/enpec/x-enpec/anais2015/resumos/R0874-1.PDF
- Language analyses of popular science texts in textbooks: contributions to Biology teaching – Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-73132017000200321&script=sci_arttext
- FOUREZ, G. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: UNESP, 1995.
- ALFERES, S.; AGUSTINI, C. A escrita da divulgação científica. Horizonte Científico, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 1-23, 2008.
- Bolsonaro usa pesquisa alemã distorcida para criticar uso de máscaras – Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/bolsonaro-usa-pesquisa-alem%C3%A3-distorcida-para-criticar-uso-de-m%C3%A1scaras/a-56709073
Ass: Augusto, Gessio e Mateus