Vacinação no Brasil e a Instabilidade Social

Oficialmente, 1798 foi o ano da invenção da primeira vacina. O vírus era o da Varíola, a doença que mais matou na história da humanidade: 30% dos infectados pelo vírus morriam. A invenção da vacina foi creditada ao médico Edward Jenner, que percebeu que os trabalhadores do campo não pegavam varíola. Ao analisar a situação mais de perto, percebeu que isso acontecia porque os trabalhadores eram contaminados por uma versão mais leve do vírus, o da varíola bovina, que só provocava manchas nos humanos, mas não levava à morte e esses ficavam imunes após pegar essa forma mais fraca do vírus.

No Brasil, a primeira vacina que “pisou” em solo nacional foi justamente a da varíola em 1804. Essa conquista só foi possível por conta do Marquês de Barbacena. No entanto, o propulsor da vacina no Brasil foi o renomado médico Oswaldo Cruz, então Diretor-Geral da Saúde Pública em 1904. Ele encontrou um cenário de crise sanitária e com diversas epidemias na capital brasileira da época: o Rio de Janeiro.  No caso da varíola, apelou para o que foi chamado posteriormente de Lei da Vacina Obrigatória.

Essa parte da história é marcada pela Revolta da Vacina, que consistiu em um movimento contra a obrigatoriedade da vacinação. Segundo Ângela Pôrto, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, esse movimento, quase exclusivamente, ocorreu através da manipulação política, que resultou na divisão da população e foi feita por parte da elite brasileira, a qual estava descontente com o governo da época: a República presidida por Rodrigo Alves. O objetivo era enfraquecer o governo, mas conseguiu também estabelecer a união de diversos grupos sociais, nos quais, inclusive, alguns eram antagônicos.

Assim sendo, não é especulador comparar os contextos entre a época da revolta da vacina e o que está acontecendo com o nosso país em meio a pandemia do Coronavírus. Gilberto Hochman, também pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, afirma que anos após a grande revolta de 1904, não houve mais registros de resistências contra a vacinação. No entanto, mais de um século após esse episódio, uma parcela da população brasileira começou novamente a questionar aspectos referentes à vacina que desde aquela época não eram questionados. Não por acaso, existe no nosso contexto atual, uma polarização política também. Entretanto, diferentemente da época da revolta, essa polarização não está sendo feita para enfraquecer o governo, mas sim para sustentá-lo.

Nesse sentido, a polarização tem sim a capacidade de sustentar o governo federal atual, uma vez que ela cria uma identidade muito forte para uma parcela considerável da população brasileira. Essa identidade fundamenta-se em um perigo que se apresenta no cenário político brasileiro contemporâneo: a ascensão do fascismo. Essa ascensão é representada por uma oposição difusa às esquerdas, às instituições, bem como aos processos democráticos e ao conhecimento científico, a qual tem provocado  uma união entre diversos grupos sociais que têm essa mesma concepção da política brasileira, assim como na união da época da revolta da vacina. Portanto, é desse modo que o governo de Bolsonaro sustenta-se nessa ascensão e, por esse motivo,  consegue unir um grupo significativo de apoiadores para o seu governo.

Essa instabilidade política, em conjunto com uma pandemia global, tem causado desordem em um país que já foi referência em promover a vacinação em massa. Símbolos como o Zé Gotinha, muito utilizado na década de 1990 e na campanha de 2006; e iniciativas como o Programa Nacional de Imunização (PNI), que fizeram do Brasil uma referência mundial, tiveram suas ações limitadas pelo governo por motivos político-ideológicos. Além disso, outras ações como a dificultação na obtenção de vacinas, discurso anti-ciência, defesa da cloroquina e da imunização de rebanho, fizeram do Brasil um destaque negativo no enfrentamento à pandemia. Levando a mais de 450 mil mortos, sem previsão de queda expressiva no número diário de óbitos,  que, em maio de 2021, supera 2300.

Ainda nesse sentido, um momento histórico está sendo vivenciado por todos nós. O negacionismo sobre o impacto do vírus que estamos observando, perante a maior pandemia do século XXI, nunca foi testemunhado no Brasil. Na época de Cruz, ele nunca ousou negar a existência de doenças ou de cuidar dos seus compatriotas, haja vista o seu cargo importante de Diretor-Geral da Saúde Pública. Entretanto, no presente, podemos testemunhar representantes políticos que se recusam a levar a saúde pública a sério. À vista disso, é importante que a gente aprenda com a história e não deixemos que o mesmo episódio ocorra, como aconteceu durante a revolta da vacina: a população atue como massa de manobra para servir os interesses de determinados grupos sociais brasileiros; mas aceitemos sim as vacinas que são fiscalizadas pelas instituições públicas brasileiras para o próprio bem da população.

Referência Bibliográfica:

Hochman, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura de vacinação no Brasil. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 375-386, fev. 2011. Disponível em: <https://scielosp.org/article/csc/2011.v16n2/375-386/>. Acesso em: 28 abr. 2021.

Pôrto, Ângela; Ponte, Carlos Fidelis.Vacinas e campanhas: as imagens de uma história a ser contada.História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.10, suppl. 2, p. 725-742, 2003. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000500013&lang=pt>. Acesso em: 28 abr. 2021.

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Ass: Caio, Gustavo e Eduardo

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