Historia da sua vida
Seja nas histórias ou nos filmes de ficção científica, a temática da invasão do planeta por civilizações alienígenas geralmente se desenvolve a partir da figura do estranho ou do estrangeiro: seres vivos de outros planetas tornam-se uma ameaça à existência humana de diferentes formas, explorando os recursos naturais do planeta, escravizando os seres humanos ou utilizando-os para se reproduzirem. A partir desse panorama, torna-se direta a comparação entre tais representações e a história colonial ocidental, uma vez que a ficção científica utiliza esse mote como crítica ou como um medo inconsciente de ser subjugado tal como diversas sociedades foram desde a expansão marítima europeia.
Em “História da sua vida” (1998), conto que inspirou o filme “A Chegada” (2016) de Denis Villeneuve, o escritor Ted Chiang subverte essa lógica, colocando a diferença entre espécies como uma possibilidade de interação pacífica e aprendizagem. No conto em primeira pessoa, Louise Banks é chamada por militares para fazer parte de um grupo com a finalidade de estabelecer contato com seres alienígenas, nominados de heptápodes, que estabeleceram 112 bases (grandes espelhos semi-circulares) espalhadas pelo planeta Terra. As tentativas de contato se dão através das investigações sobre a linguagem (falada e escrita) dos alienígenas e suas concepções científicas, que são discutidas através do físico Gary Donnelly, parceiro de Louise. As dificuldades de comunicação, muitas vezes tomadas pelos militares como um medo à ameaça do estrangeiro ou como um empecilho ao seu desenvolvimento imperialista, refletem o choque entre diferentes formas de se observar e refletir sobre o mundo, o tempo e a própria realidade. Entre os trechos sobre o contato com os heptápodes, a narradora conta a história da vida de sua filha, explorando a potência da linguagem alienígena e quebrando a concepção linear de tempo dos seres humanos.
Com esses elementos, acompanhando as conversas entre Gary e Louise e seu avanço para a compreensão da ciência, escrita e fala heptápode, o conto explora as diferentes abordagens da linguagem e como ela pode moldar nossa maneira de pensar, além do simples pensamento de uma pessoa ser em sua língua nativa, mas também como influencia a percepção de mundo. No seu caminho à proficiência na escrita heptápode, Louise passa adquirir uma nova percepção de tempo e com isso uma nova maneira de pensar e compreender o mundo. Enquanto com o desenvolvimento de Gary na compreensão científica dos heptápodes, é possível comparar com a física humana e a percepção de tempo linear. Essa comparação mostra que os conceitos vistos como mais básicos e fundamentais para humanos são avançados para heptápodes e vice-versa, podendo perceber que, apesar de retratar o mesmo conceito, são aproximados por visões diferentes que estão ligadas diretamente pela visão de tempo de cada espécie. Tal ponto contribui muito para a discussão que a ciência é uma construção cultural humana e não uma atividade neutra, atemporal e descobridora das verdades ocultas do universo.
O conto merece ser lido pela forma que consegue desenvolver novos imaginários no leitor, seja pela maneira diferente de enxergar o mundo, o tempo ou as nossas relações com seres estrangeiros. Trata-se sobre explorar a potência da diferença, aprender com a mesma e não negá-la a partir de uma prerrogativa de superioridade.
Ser capaz de imaginar outras realidades é possível. E necessário.
O conto faz parte do livro “História da Sua Vida e Outros Contos” da editora Tor Books e ganhou o Prêmio Nebula de Melhor Novela em 2000 e o prêmio Sturgeon em 1999.