“Vi milhares de pessoas entrando na biblioteca esfomeadas e saindo dela bem alimentados. Vi pessoas perdidas se encontrarem. Vi realistas sonharem e sonhadores acordarem nesse santuário de mármore onde o silêncio era o marcador de cada livro”.
A nossa espécie surgiu há cerca de 200 mil anos na África Oriental, resultante de um processo evolutivo milenar e complexo que é estudado ainda nos dias de hoje. O nome científico dado para a nossa espécie significa, traduzindo livremente do latim, “o homem sábio”, o que é bastante conveniente. No entanto, o conhecimento acumulado pelo homo sapiens fora possível principalmente por conta da nossa habilidade de registrar ideias, costumes, cultura, conhecimento, fenótipo e genótipo. Tal denominação de “o sábio” tem as suas justificativas: nós somos seres que se desenvolveram de formas distintas das demais espécies de animais da Terra, pois passamos por três grandes revoluções. A primeira foi a cognitiva que nos permitiu, dentre outras coisas, a entender abstrações e a formar memórias. A segunda consiste na agrícola, a qual foi importante para juntar-nos em comunidades maiores e dedicar nosso tempo para a inovação. Fatalmente, o último ainda em processo é a científica em que está proporcionando a maioria das coisas que estamos conhecendo hoje, desde os benefícios até os malefícios.
Afinal, o que tudo isso tem a ver com o conto desta resenha? Fênix Brilhante trata sobre o conhecimento adquirido ao longo da história da humanidade, com citações de vários pensadores e histórias em uma ambientação caótica onde uma biblioteca está sendo atacada pelo exército do país. Esse ambiente atípico serve como pano de fundo para passar a mensagem de uma sociedade que é ideal e, sobretudo, leitora. Esse ataque à biblioteca é ignorada pela grande maioria das personagens do conto; os leitores presentes na biblioteca durante o anúncio do ataque assustaram-se, mas continuaram a sua leitura.
A ideia que pasma durante a narrativa é a tranquilidade que todas as personagens têm, exceto os membros do exército, diante do ataque eminente àquilo que os parecem ser mais valioso: o livro. No entanto, conforme o enredo sucede, é possível perceber que a tranquilidade diante da arruinação anunciada pelo governo não se trata dos livros ou da biblioteca, mas sim das ideias que neles se encontram. Assim como descrevi várias informações no começo desta resenha, uma outra pessoa, ou até mesmo uma personagem desse conto, poderia fazer o mesmo sobre os mais diversos assuntos, como astronomia, biologia, culinária, etc. Porém, é fundamentalmente necessário que tanto eu quanto essa outra pessoa ou personagem tenha lido antes de fazê-lo. Acredito que seja por isso que a tranquilidade está presente nas personagens, isto significa, mais do que conhecer as ideias que estão nos registros, é nós mesmos tornarmos os registros dessas ideias, pois, assim, as ideias tornam-se imortais, muito embora os registros não sejam, porque esses, isto é, nós somos infelizmente efêmeros. Essa ideia fica explícita ao fazer a leitura do conto e conforme conhecemos melhor as personagens.
Por fim, durante a narrativa, essa perspectiva de nós sermos os livros que registram as ideias fica evidente e traz essa reflexão maravilhosa consigo. Desse modo, é possível notar que as pessoas do conto leem diversificadamente, de forma que, em um todo, nada está perdido, ainda que os registros em papéis tenham sido queimados. Portanto, acredito que seja dessa forma que o conto traduz a metáfora do conhecimento ressurgir das cinzas resultantes das queimas dos livros; assim como uma fênix brilhante.