“Um conto de natal” é uma obra de China Miéville que foi traduzida do original em inglês “Tis the Season” e publicada primeiramente em português pelo caderno “Ilustríssima”, da Folha de S.Paulo. O autor é formado em antropologia social pela universidade de Cambridge, com mestrado e doutorado em filosofia do direito internacional pela London School of Economics. Além disso, é ganhador do prêmio Hugo Award, um dos mais importantes dedicados aos livros de ficção científica. China Miéville é um dos nomes mais relevantes da literatura New Weird, que é uma inovação formal que trabalha com um híbrido de ficção científica, fantasia e horror.
O conto passa-se em um futuro em que datas comemorativas se tornam marcas registradas. No caso do Natal, todas as festas oficiais e legalizadas são organizadas pela empresa NatividadeCo. Assim, os cidadãos que quiserem comemorar o natal deverão adquirir os direitos comemorativos, enquanto aqueles que não adquirirem serão proibidos de trocar de presentes, de montar árvores de natal, de vestirem-se de Papai Noel ou utilizar ornamentos do personagem, cantar canções natalinas e tudo mais que envolva o Natal.
O narrador do conto é um pai que ganha na loteria o direito de participar de uma festa oficial de natal ao lado de sua filha. No caminho da festa, o pai e a filha se encontram em uma imensa manifestação, em que vários grupos protestam pelo direito de comemorar o natal.
Entre os manifestantes estão alguns grupos que são chamados de “natalinos radicais”, como os “red and white blocks” e os ajudantes do Papai Noel. Todos, por mais que possuam ideais diferentes, lutam por um mesmo objetivo: a livre celebração do natal. Apesar do objetivo comum, os diferentes manifestantes não conseguem chegar a um consenso. Isso coloca o leitor no papel de pensar e assemelhar com o que acontece na vida real, em que muitos indivíduos querem reivindicar algo que julgam ser seus direitos, mas não conseguem trabalhar em conjunto para então ter mais poder de pressão.
Nesta parte das manifestações, China Miéville deixa evidente a sua marca registrada: as ironias, que bem colocadas no texto, empregam implicitamente uma crítica social para os neoliberais conservadores. A principal delas é o medo que a população tem de corporações dominarem as coisas que gostamos ou que tenham uma importância sócio/ambiental, fazendo disso um negócio em que a única atenção é o lucro.
Outro ponto curioso no conto é como os manifestantes são separados de tal forma que cada grupo tem seus próprios interesses e suas lutas. Mesmo todos os grupos em prol de um mesmo objetivo (festejar o natal), não vemos uma frente única bem organizada, o que, por sua vez, só viria a ajudar quem está no poder e detém o natal. Isso nos faz pensar no quanto os grupos sociais precisam, apesar de suas diferenças, refletir sobre formas de confrontação em frentes únicas.
Após a leitura do conto, o leitor poderá soltar a imaginação. Por exemplo, pode questionar-se sobre como seriam as festas típicas de sua região se estas fossem privatizadas. Quem vos escreve, no estado de São Paulo, sê pergunta: e se a Festa Junina fosse privatizada?